O fato de a lei ter previsto ao contribuinte a possibilidade de optar, em cada ano, por regime de tributação não lhe confere direito adquirido a essa forma. E, se o governo quiser, as condições podem ser alteradas, porque não há direito adquirido a regime fiscal. E a mudança pode ocorrer no mesmo ano, no caso de contribuição previdenciária, desde que respeite o prazo de 90 dias antes da sua entrada em vigor.
Com esse entendimento, a 2ª Seção Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES), por maioria, negou agravo de instrumento da CBO Serviços Marítimos e não permitiu que as subsidiárias da companhia mantivessem desoneração da contribuição previdenciária patronal sobre a folha salarial.
A empresa buscava tutela antecipada para garantir às suas filiadas o direito de se manter na forma de recolhimento da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB) durante todo o ano de 2018, como optaram, de forma irretratável, no começo do ano passado. No entanto, a Lei 13.670/2018 revogou esse regime tributário para diversos segmentos econômicos – incluindo os das filiadas da CBO. Dessa maneira, elas teriam que pagar contribuição previdenciária patronal sobre a folha de salários, aumentando sua carga tributária, a partir de 1º de setembro de 2018.
A CBO alegou que a proibição de continuar recolhendo a CPRB durante o ano de 2018 viola os princípios da segurança jurídica e da confiança legítima. Isso porque a Lei 12.546/2011, que instituiu a desoneração, determinava que a opção escolhida em janeiro seria irretratável e irrevogável para todo o ano.
O pedido de liminar foi negado em primeira instância, mas a empresa interpôs agravo de instrumento. Devido a divergências entre a 3ª e a 4ª Turmas Especializadas do TRF-2, o caso foi para a 2ª Seção Especializada da corte. O relator do caso, desembargador federal Luiz Antonio Soares, em 22 de maio, votou por negar o agravo de instrumento.
Ele apontou que alterações nas contribuições para a seguridade social podem valer no mesmo ano em que foram feitas, desde que respeitem o prazo de 90 dias, como estabelece o artigo 195, parágrafo 6º, da Constituição. E isso independe do exercício financeiro. Dessa maneira, não há impedimento legal ao aumento na carga tributária das filiadas da CBO ainda em 2018, destacou o magistrado.
O relator também disse que o fato de a lei ter previsto a possibilidade de o contribuinte optar a cada ano, em caráter irrevogável, sua forma de contribuição, não lhe conferiu direito adquirido àquele regime jurídico, que pode ser modificado a qualquer momento.
“Portanto, ‘irretratável’ é a opção feita pelo sujeito passivo acerca da tributação com base na receita bruta, desde que a referida sistemática de tributação permaneça vigente ao longo do ano. O termo não impede que o legislador altere o regime tributário, observando os princípios constitucionais da capacidade contributiva, da anterioridade, da legalidade etc. A alteração pode ocorrer porque não há direito adquirido a qualquer regime tributário”, argumentou Soares.
Sem surpresa
Gilson Pacheco Bomfim, procurador-chefe da Divisão de Acompanhamento Especial da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional no Rio de Janeiro, disse à ConJur que o julgamento pela 2ª Seção Especializada do TRF-2 foi importante para pacificar o entendimento da corte sobre o assunto.
Embora a 4ª Turma Especializada já tivesse solidificado o entendimento favorável à Fazenda Nacional – ou seja, de que o fim da desoneração da contribuição previdenciária sobre a folha salarial era legal –, na 3ª Turma Especializada prevalecia, por maioria, visão de que a alteração no ano de 2018 prejudicou a segurança jurídica dos contribuintes.
Segundo Bonfim, o julgamento da 2ª Seção Especializada validou as três teses defendidas pela Fazenda Nacional sobre o assunto. A primeira é que a irretratabilidade da opção pelo regime de contribuição sobre a receita bruta só se aplica ao contribuinte, pois apenas quem faz opção pode se retratar. A segunda é que a opção manifestada pelo contribuinte não gera direito adquirido a um determinado regime jurídico, que pode ser modificado por posterior legislação constitucionalmente válida. E a terceira tese diz que a segurança jurídica e a não surpresa concretizam-se, no caso, pela anterioridade nonagesimal, que foi respeitada pela alteração legislativa.
“Embora o precedente não seja vinculante, tendo em vista não se enquadrar dentre aqueles com a previsão desse efeito pelo Código de Processo Civil, trata-se de importante vitória da Fazenda Nacional, com a formação de importante precedente de cunho persuasivo, que indica uma clara tendência de como a coisa será julgada daqui para frente pelo TRF-2”, avaliou Gilson Bomfim.