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Trespasse – Alienação do estabelecimento empresarial

A alienação do estabelecimento empresarial é negócio que, embora comum, suscita muitas dúvidas, especialmente no campo da responsabilidade. Abordamos a seguir um sucinto panorama jurídico deste negócio, que poderá servir de orientação básica para a sua realização, o que não dispensa, obviamente, a assessoria técnica.

Pode o Estabelecimento ser objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza (Arts. 90, 91 e 1.143, CC).

A venda do Estabelecimento se faz pelo negócio conhecido como trespasse, de trespassar, no sentido de transferir, negociar, passar à frente.

Naturalmente a alienação do Estabelecimento, que é um bem com valor patrimonial, está sujeita a certas formalidades e restrições, especialmente porque esse valor que representa o Estabelecimento é também a garantia dos credores.

Portanto, o contrato que tenha por objeto a alienação, o usufruto ou arrendamento do estabelecimento, só produzirá efeitos quanto a terceiros depois de averbado à margem da inscrição do empresário, ou da sociedade empresária, no Registro Público de Empresas Mercantis, e de publicado na imprensa oficial (Art. 1.144, CC).

Essa averbação equivale ao arquivamento previsto na LRE. Por isso é necessário que o negócio seja feito por escrito, para que se faça a sua averbação. Enquanto não averbado, o trespasse não produz efeitos (eficácia) contra terceiros, embora válido. Na prática, infelizmente, não é comum essa averbação, o que representa risco maior para o adquirente.

Se ao alienante não restarem bens suficientes para solver o seu passivo, a eficácia da alienação do estabelecimento depende do pagamento de todos os credores, ou do consentimento destes, de modo expresso ou tácito, em trinta dias a partir de sua notificação (Art. 1.145, CC).

É preciso não confundir a venda do estabelecimento com a cessão da própria sociedade. Por isso é que o empresário ou a sociedade empresária, no caso de trespasse, continua devedor. Logo, o empresário ou sociedade empresária não pode se desfazer desse patrimônio sem reservar outros ativos suficientes ao pagamento dos seus credores.

O Estabelecimento é, como visto, a garantia dos credores e responde pelas dívidas (que poderão recair sobre ele), mesmo depois de transferido ao adquirente. Por isso, ao alienante, se não restarem bens suficientes a responder pelas dívidas, cabe colher o consentimento expresso dos seus credores ou promover a notificação deles, com prazo de trinta dias, para que venham, se quiser, opor-se ao trespasse. O silêncio será interpretado como consentimento (tácito). Se o credor concordar, ele está renunciando à garantia que tinha no Estabelecimento do empresário devedor não poderá se voltar contra o adquirente.

As consequências para a não observância do art. 1.145 do Código Civil são graves. O empresário poderá ter a falência decretada (Art. 94, III, “c”, LRF), considerando-se ineficaz a alienação em relação à massa falida (Art. 129, VI, LRF), o que autoriza reivindicar o estabelecimento do adquirente, ainda que de boa-fé, ou seja, que não tenha conhecimento do estado de crise econômico-financeira do alienante ou a intenção deste fraudar credores. É fácil perceber, portanto, que a preocupação maior no trespasse deve ser do adquirente.

O adquirente do Estabelecimento é considerado pela lei como seu sucessor. Logo, o adquirente do Estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento (Art. 1.146,CC).1

É interessante notar aqui que o Estabelecimento tem uma afetação às obrigações precedentes ao trespasse, vinculando-se ao seu cumprimento.

O adquirente terá direito de regresso contra o alienante pelas dívidas que tiver de pagar, anteriores ao trespasse. Não vale contra os credores a cláusula, muito comum em trespasse, liberatória do adquirente do passivo. A garantia dos credores está expressa na lei, não se admitindo derrogação por contrato sem a participação dos credores.

É válida, todavia, a cláusula de transferência de passivo ao adquirente, que assume a obrigação pelo pagamento das dívidas. Caso surja depois do trespasse dívida não conhecida pelo adquirente, caberá em favor dele direito de regresso contra o alienante. É o caso de condenações judiciais que ocorreram depois do trespasse, mas encontram causa em fato anterior.

Em relação aos credores trabalhistas a CLT é expressa no sentido de que a mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados (Arts. 10 e 448, CLT). Ao sucessor é imputada pela lei a responsabilidade pelas dívidas trabalhistas anteriores: “Art. 448-A. Caracterizada a sucessão empresarial ou de empregadores prevista nos Arts. 10 e 448 desta Consolidação, as obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para a empresa sucedida, são de responsabilidade do sucessor. Parágrafo único.  A empresa sucedida responderá solidariamente com a sucessora quando ficar comprovada fraude na transferência.”

A responsabilidade do alienante, de acordo com as novas disposições da CLT, só ocorre em caso de fraude. Há aparente conflito entre a redação atual da CLT e o CC. Mas deve prevalecer a disposição do art. 1.146 do CC para impor ao alienante, até um ano, a obrigação solidária pelas dívidas em geral, independentemente da prova da fraude.2

Quanto às dívidas tributárias, o CTN estabelece que o adquirente responde, subsidiariamente com o alienante (se este prosseguir na atividade empresária) ou integralmente (se o alienante cessar a atividade). Esta responsabilidade não se aplica em caso de alienação judicial.3

Para superar a crise econômico-financeira do empresário, a LRF admitiu a venda de filiais ou UPIs – Unidades Produtivas Isoladas do devedor e estabeleceu que o adquirente não será considerado sucessor e não responderá pelas obrigações do devedor de qualquer natureza, incluídas, mas não exclusivamente, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista (Arts. 60 e 141, LRF).4

Estas disposições visam preservar o fundo de empresa e proporcionar o melhor resultado para os credores do empresário em crise econômica-financeira. A recente reforma da LRF procurou dar mais segurança ao adquirente. O tema das UPIs recomenda uma abordagem exclusiva em outra oportunidade.

Prevê a Lei também que o alienante não pode concorrer com o adquirente nos cinco anos subsequentes ao trespasse, salvo autorização expressa no contrato (Art. 1.147, CC). É o que se chama também de restabelecimento do alienante. Procura-se proteger o adquirente da concorrência desleal, impondo-se na aplicação da proibição o exame da natureza da nova atividade empresária e o território para se verificar a ocorrência ou não de efetiva concorrência que se quer impedir.

É possível que o Estabelecimento seja objeto de arrendamento ou usufruto. Naturalmente durante o tempo deste negócio não poderão o arrendante e o proprietário fazer concorrência ao arrendatário e ao usufrutuário (Art. 1.147, par. único, CC).

A ideia de que o adquirente do Estabelecimento é sucessor do alienante determina também que, “salvo disposição em contrário, a transferência importa a sub-rogação do adquirente nos contratos estipulados para exploração do estabelecimento, se não tiverem caráter pessoal, podendo os terceiros rescindir o contrato em noventa dias a contar da publicação da transferência, se ocorrer justa causa, ressalvada, neste caso, a responsabilidade do alienante” (Art. 1.148, CC).

Essa regra é genérica e não afasta o cumprimento dos requisitos especiais exigidos de acordo com a natureza da relação jurídica. É o caso do contrato de locação, que não se transfere ou se sub-roga somente por força do trespasse.5

Os contratos de natureza pessoal podem ser rescindidos, como é o caso dos contratos de trabalho.

Igual efeito se aplica aos créditos do estabelecimento: “Art. 1.149. A cessão dos créditos referentes ao estabelecimento transferido produzirá efeito em relação aos respectivos devedores, desde o momento da publicação da transferência, mas o devedor ficará exonerado se de boa-fé pagar ao cedente.”

A esta cessão de crédito devem ser aplicadas as disposições dos Arts. 286-298 do Código Civil. Destaca-se o impedimento da cessão quando a isso se opuser a natureza da obrigação, a lei ou a convenção com o devedor (Art. 286, CC).

O Estabelecimento pode ser objeto, ainda, de garantia real, como o penhor (Art. 1.451, CC).

O trespasse é negócio jurídico importante para o desenvolvimento da atividade empresarial e existe um grande mercado de aquisições no Brasil, não só das sociedades empresárias, ou do controle das sociedades empresárias, mas igualmente dos estabelecimentos empresariais. Com o cuidado necessário, as boas oportunidades podem ser aproveitadas.

Fonta: https://www.migalhas.com.br/coluna/novos-horizontes-do-direito-privado/345739/trespasse–alienacao-do-estabelecimento-empresarial

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