A suspensão do passaporte e bloqueio de cartões de crédito pode não ter um efeito imediato no pagamento de uma dívida, mas lembra o devedor de que ele tem uma pendência, evita que assuma novas dívidas e possibilita que preserve o seu patrimônio, podendo pagar o débito futuramente. Com esse entendimento, a 29ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, por maioria, aceitou agravo de instrumento e aplicou medidas coercitivas a um comerciante de móveis planejados que recebeu o pagamento, mas não entregou os produtos.
O agravo foi interposto contra decisão da 2ª Vara Cível do Foro Regional do Jabaquara, em São Paulo, que negou pedido de imposição de medidas coercitivas aos executados.
No recurso ao TJ-SP, o exequente afirmou que o comerciante de móveis demonstra “claramente desdenhar dos efeitos executivos”. Isso porque seguia veiculando, nas redes sociais, os seus serviços, “continuando a ludibriar ainda mais consumidores de boa-fé”.
Por estas razões, argumentou, são mais que justificáveis o deferimento de medidas indutivas, coercitivas e mandamentais para assegurar o cumprimento das ordens judiciais, pois “todos os indícios dão conta de que não há o mínimo interesse do agravado em honrar com a obrigação indenizatória fixada”.
Relator do agravo, o desembargador Carlos Henrique Miguel Trevisan, revendo seu posicionamento anterior, reformou a decisão de primeiro grau e aplicou parte das medidas atípicas de execução. Ele apontou que a tentativa de bloqueio de contas pelos sistemas Bacenjud e Renajud não funcionou e o devedor não indicou bens para penhorar. Então, é preciso tomar medidas mais severas, ressaltou.
Trevisan disse que os direitos e garantias fundamentais do devedor, consagrados pela Constituição Federal, não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna. “Se é certo que o devedor deve ter respeitados seu direito de ir e vir e sua dignidade, o mesmo deve ser assegurado ao credor.”
Suspensão do passaporte
Ao analisar o pedido de bloqueio do passaporte, o desembargador fez um raciocínio contrário, sob a ótica do credor. “Analisando-se especificamente o pedido de suspensão do passaporte, o não pagamento do débito poderá, eventualmente, impedir o credor de realizar uma viagem para o exterior, tendo ele, a partir daí, limitado o seu direito de ir e vir pela inércia do devedor.” “Enquanto o devedor pode despender recursos financeiros com viagens para o exterior, muitas vezes voltadas ao mero deleite e lazer, o credor deve permanecer aguardando se em algum momento o devedor se recordará do débito em aberto”, argumentou.
“Não se pode ver em tal medida a mera punição do devedor, mas sim a busca de meio útil para a preservação de recursos financeiros, que devem ser destinados ao credor”, disse, citando também o artigo 789 do Código de Processo Civil. O dispositivo diz que o devedor responde com seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações.
Trevisan ainda disse que “o patrimônio do devedor não é para ele dispor da forma que bem entender, mas sim para o cumprimento de suas obrigações” e que “inúmeras pessoas, seja por questões financeiras, seja por outros motivos, passam uma vida inteira sem sair do país, não ferindo, em absoluto, sua dignidade humana”.
Bloqueio dos cartões
O TJ-SP também determinou bloqueio de todos os cartões de crédito dos executados, para evitar que o devedor assuma novas despesas não essenciais em detrimento do crédito do exequente.
“A medida pode alterar a situação patrimonial do devedor, que, com o desestímulo imposto, poderá ter preservado o seu patrimônio, além de ser lembrado da prévia necessidade de cumprimento de suas obrigações”, reforçou o magistrado, que citou ainda precedentes de outros desembargadores do tribunal autorizando o bloqueio de crédito.
O juiz em segundo grau Carlos Dias Motta acompanhou o desembargador Carlos Trevisan. Já o juiz Themístocles Barbosa Ferreira Neto fez voto divergente.
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Agravo de Instrumento 2050212-30.2019.8.26.0000
Fonte: ConJur